terça-feira, 1 de julho de 2008

Visitas Mágicas

-Mamã! Mamã! Caiu um dente!
E vai Pedrito correndo pela sala, gritando de dente na mão. Um dia, vira um menino sem dentes e achou muito feio, mas a sua mãe disse-lhe que os dentes de leite iriam cair, mas depois voltariam a nascer uns novos e fortes. Contou-lhe que, desde há muito tempo, existe uma fadinha, a Fada-dos-dentes, e que sempre que caía um dente aos meninos, eles deixavam o dente debaixo da almofada, a fada vinha de noite e trocava o dente por um presente. Pedrito empolgado encontra a mãe.
-Mamã! Quero que chegue a noite. Vou pedir um presente à Fada-dos-dentes! Olha, caiu-me um!
-Calma, Pedro. Vamos jantar agora, depois vestes o pijama, lavas os dentes e vais deixar o teu dente para a Fada, então…
Entretanto, chega o irmão mais velho de Pedrito, que apanha a conversa a meio.
-Oh Pedrito! Tu acreditas na Fada-dos-dentes, também? – Diz-lhe ele com um ar espantado. Ricardo sempre foi um menino que acreditava na magia, e no mundo mágico. Já tinha dezasseis anos, mas continuava a crer nisso.
-Sim, mano! A Fada-dos-dentes vai dar-me um presente! O meu dente caiu!
-Uau! Olha, queres que te conte uma história? Do meu primeiro dente que caiu?
-Sim! Quero muito! Conta-me, mano…
Sentaram-se ambos no sofá, depois de jantar, e Ricardo começou…
-A mãe, um dia, contou-me que existia a Fada-dos-dentes. Eu não acreditava. O mano tinha a mania que os mundos mágicos não existiam. Até que ela disse para eu deixar mesmo o meu dente debaixo da almofada, que logo a fada vinha trocar o dente por um presente. Eu era teimoso e queria provar á mãe que não havia fada nenhuma, por isso, deixei o dente debaixo da almofada. Adormeci, e no dia seguinte levantei-me e não estava dente nenhum debaixo da almofada, sabes o que estava? Um saquinho de moedas de chocolate. Não queria acreditar. Desde esse dia que estava sempre à espera que caísse outro dente, para ficar acordado e ver quem trocava os meus dentes por moedas de chocolate. Umas semanas depois, caiu outro dente. Pu-lo debaixo da almofada, e deixei-me ficar acordado. A janela estava aberta, quando vejo uma luzinha na minha direcção. Fechei os olhos e fiz de conta que estava a dormir. Ouvi uma voz pequenina e fininha resmungar e, quando a senti debaixo da almofada, levantei-a e apanhei a fada com um copo. Larguei logo. Podia sufocá-la e estava muito espantado.
-Oh, menino! O que fazes tu acordado, ainda?
-Não acredito! És mesmo uma fada!
-Pois claro que sou! – Diz-lhe ela sacudindo as asas. – E dos dentes!
Eu toquei-lhe com muito cuidado e ela era real! Conversámos muito! Até o amanhecer. Ela tornou-se minha amiga e vinha todas as noites dar-me um pozinho de soninho bom. Mas um dia, já tinha os dentes todos fortes e ela foi despedir-se de mim. Chorámos muito. Eu não queria que ela não aparecesse mais, mas ela prometeu que um dia voltaria. E olha o que me deu: um fio, esta moeda é da sorte, é mágica! Anda sempre comigo. E pronto. Nunca mais vi a minha Fada.
Pedrito escutava o irmão, extasiado.
-Uau! Mano! Eu vou conversar também com a tua fada! Posso?
-Sim, vamos esperar por ela esta noite, boa?
-Sim! Sim! Sim!
Pedrito estava mesmo entusiasmado com tudo aquilo.
Deitaram-se. Ricardo dormiu com Pedrito. Fingiram que dormiam quando viram a luz.
-Shiuu! Fecha os olhos. – sussurra Ricardo.
Ricardo ouve a voz que lhe era familiar, e dá um pulo.
-Fadinha! És tu!
-Ah! Quase morria de susto! – grita a fadinha ofegante.
Pedrito, espantado, toca-a.
-És mesmo real! O mano tem razão.
-Sim! Esperavas outra coisa? Vocês são mesmo irmãos. – diz ela em tons de graça, na direcção do Ricardo, para lhe lançar uns pozinhos. – Tinha saudades tuas, já! – diz-lhe, enquanto liberta também pozinhos sobre Pedrito.
Ficaram toda a noite a falar e, desde então, a fada voltou a visitar Ricardo, porque vinha também ver Pedrito.
Porque os pequeninos, podem receber visitas mágicas…

terça-feira, 10 de junho de 2008

Estrela Lia

        Pequenina, pequenina, a menina dizia-se não ser. Era tudo simples, ela não era.
        Para si, a existência era não ser nada, e ser tudo. Era ser a magia de uma história.
E tudo começa quando um dia, num sítio muito longe, de onde vêm as estrelas, o senhor que as fazia, deixou cair sobre uma das suas filhas a poção mágica. Era a mais pequena, tinha nascido há poucos dias. A poção dava às estrelas a capacidade de viver na eternidade do céu, que é como quem diz, viver no tudo, assim de uma forma “para sempre”…
        A menina foi crescendo, ganhando hábitos diferentes. A ligação dela às estrelas separava-se pela terra grande. Os pais chamavam-na Lia, mas ela não gostava...
       -Não me chamo isso! Já disse! – dizia em tom irritado.
       Nada havia a fazer, Lia queria ser nada, e tudo.
       Falava muito com as flores.
      -Eu sou também uma flor sabiam? – dizia ela às flores do seu quintal sussurrando.
      E querem saber um segredo? As flores respondiam-lhe. Falavam mesmo com Lia.
    Todos a achavam louca, mas na verdade, Lia era uma estrela do céu, incompleta e incompreendida, porque Lia tinha na ponta dos dedos magia. Bastava fechar os olhos e desejar com uma força grande, para que as coisas à sua volta ganhassem a magia e pudessem conversar com ela.
      Lia sentia que não pertencia àquele mundo, e a mãe chorava muito à noite. Pedia ao Senhor da Magia que lhe desse a sua filhinha, pedia que Lia não quisesse ir embora para as estrelas e que deixasse de ser louca, por falar com tudo. Na escola, não tinha amigos. Ninguém gostava de Lia, porque ela dizia não ser nem Lia nem ninguém.
       -Lia, podes dizer-me que letra vem depois do C? – perguntou-lhe um dia a professora.
       -O meu nome não é Lia, professora… - disse Lia em tom entristecido.
       -Então qual é?
       -É nada, professora, eu sou nada, e sou tudo. Se vir lá fora nas flores, eu sou elas, e à noite, eu sou do infinito para sempre…
       Lia explicava imensas vezes isto a quem a chamava assim. Até que um dia o pai de Lia se cansou de ter uma filha ninguém… O pai levou Lia para a casita fechada há muito, muito tempo, e mostrou-lhe todas as ferramentas e poções mágicas. Começou…
      -Sabes filha, tu na verdade, não és nada. Tu és uma estrela onde falta um pouco de magia e luz. Quando nasceste eu trazia-te para aqui. Eu era fabricador de estrelas, e quando ia a deitar o pó a uma estrela, entrou um pássaro pela janela que me assustou, e acabei por deixar cair o pó sobre ti. Desde então que tu vives no infinito de para sempre. Mas se tu quiseres, eu deixo-te ir esta noite como estrela. Derramo sobre ti os pós e a luz, e tu vais ser o que és na verdade.
Lia escutava maravilhada, de lágrima ao canto do olho.
      -Sim, papá. Eu quero ser estrela!
     E nessa noite, Lia, sentada sobre a bancada empoeirada, recebeu sobre os cabelos os pós mágicos, depois a luz.
      E minutos depois, está ali, no céu, a estrela muito brilhante, vês? A estrela Lia.

domingo, 8 de junho de 2008

Mundo de linhas

     Era ainda linha a menina, um retalho da linha dos progenitores, tinha muito que caminhar, muito que crescer e descobrir. Arranjava teorias e conceitos muito seus, dizia que a lua era também uma linha que formara um circulo perfeito, e que às vezes, triste, deixava uma parte da linha coberta de lágrimas, e que por isso, não se via bem.
     A pequena dizia que as coisas poderiam todas ser feitas de linhas, desenhava meninos de linhas, sóis de linhas, porque, para si, as linhas podiam sempre ter remendos, logo, o que nos faltasse, poderíamos sempre dar um nó e acrescentar mais.
     Certo dia, brincava no jardim com a sua corda, e fez um círculo. Sentou-se dentro dele e ali ficou horas. A menina olhava com ar muito espantado dali de dentro e os seus pais olhavam-na na janela e acharam estranho. Viam a menina a falar sozinha.
     -O que se passa, Catarina? – Diz-lhe a mãe, com ar de espanto, quando se aproxima e vê a menina a andar aos círculos e a olhar e falar para lado nenhum.
Por instinto, a mãe tira a corda do chão, desfez o círculo da menina, e ela fica pasmada.
     -Mãe?! Porque fizeste isso? Eu descobri um mundo!
     -Tu estás doida?! Vai para casa, que está a anoitecer!
     -Mas… - a mãe já tinha virado costas, e a pequena queria muito contar-lhe aquilo que via dentro daquele círculo.
     No dia seguinte, recebia a visita da avó Linha. Era assim que ela lhe chamava, era a avó que lhe ensinava tudo sobre as pessoas que eram feitas de linhas. Mas a avó já era círculo. Já era tão sabida, que retalho de linha nenhuma lhe podia ser atado.
     -Avó Linha, sabias, a corda que me deste é mágica!
     -Pequenina, a corda é um mundo, se lhe deres um nó e a colocares num círculo. Fizeste-o, não foi?
     -Sim… E conheci uma fadinha pequena… A mãe diz que estou maluca. Mas não estou, pois não?
     -Não, meu anjinho… É tudo real, mas é segredo. A magia do círculo é um segredo. Porque se alguém o torna em simples linha, ele perde a magia. Cria o círculo no teu quarto, lá é mais seguro.
E nessa noite a pequena criou o círculo, entrou nele e lá estava tudo. Lá estava o riacho, a água tão cristalina, que se notavam as linhas de que ela era formada, a relva, pequenas linhas na vertical, todas elas dançantes das linhas quase transparentes do vento que soprava.
     -Olá, voltaste… - sopra-lhe uma voz fininha ao ouvido.
     -Sim. E tu estás aqui… - faltavam-lhe as palavras. Era o mundo perfeito, aquele. Mas quando ela pega numa das linhas, que corriam de água, ela solta-se… Aí não era círculo. Ainda não era perfeição, no auge. Então, a menina começa dando nós. Atando tudo quanto era linha solta. E quando repara em si, puxa do pé a ponta de uma linha. E nota, que no cabelo, outra linha solta. Puxa-as de modo a que se tocassem, e deu o nó. Também a menina era círculo, também ela era um mundo. Um mundo de mundos circulares.

sábado, 7 de junho de 2008

Descobridor de Cores

Um dia eu descobri as cores… Descobri como elas se formam e de onde vêm. Mas é segredo… Queres que te conte? Está bem, não respondas, mas eu vou contar-te.À primeira eu dei o nome de vermelho. Sabes de onde ela vem? Do sangue. Quando eu estava a jogar à bola na escola, eu caí. Passado um pouco, estava a sair uma mancha de cor que arde nos olhos, era muito “escaldada”. Aquela cor só a vi uma vez, numa cereja, a única que ganhou cor. Guardei-a. O tio disse que poderia ser mágica. Tu já viste? Até o morango, que tem forma bonitinha e direitinha, só tem cor quando tu o cortas?! E mesmo assim, não é aquele vermelho como o daquela mancha que saía da minha perna. Se calhar eu “sou magia”. Porque tenho o sangue vermelho.
Depois, quando estava a brincar no jardim, arranquei um pouco de erva, que queria levar para as cabras do meu tio, lá na aldeia. Quando lá cheguei, e lavei as ervas, sabes o que aconteceu? Elas talvez ficassem limpas, e ganharam cor… Dei o nome de verde, àquela mancha na erva. Era uma cor… Era forte, mas não era como a outra, esta acalmava, não sei porquê, mas fazia lembrar os olhos da tia Adelina, quando olhava para a Joca e dizia “um dia eu tenho esperança que tu sejas uma doutora na cidade…”. Ainda pensei em dar-lhe o nome de esperança, mas fui fazendo “um, dó, li, tá…” e calharam essas letras.
Eu sou mesmo um descobridor, não achas? Pronto, eu sei… Vais continuar sem responder…
Sabes, também descobri outra. Era simples, quentinha, vá, morna, era muito clara, parecia dissolvida no copo de água, porque foi assim que a descobri. Eu estava a encher o copo de água ao pé da janela e quando voltei a encher o copo e o ergui, vi um rasgar de mancha colorida. Como sou “descobridor e sabedor”, eu vi aquilo uns minutos, e reparei que a cor vinha do sol. Sabes, se calhar as cores calmas têm que ser lavadas para serem vistas, porque só dá para ver o amarelo, foi como chamei a esta, com o copo de água. O sol é amarelo. Mas eu acho que já tinha visto essa cor nas asas da borboleta que voa à janela do meu quarto. Talvez ela tenha ido até ao sol buscar a cor. Tenho que pedir-lhe que me traga alguma. Tu também queres? Bolas, parece que estás chateado, podias ao menos dizer que não… Mas vá, a outra que descobri foi mais linda que qualquer uma. Foi no sótão aqui da tua casa, avô… No dia em que a avó adormeceu aqui no banco, quando me ia contar a história do mundo. Ela não voltou mais, mas não faz mal, eu conto-te agora histórias. Mas vá, eu fui até lá acima, procurar por ela, vi o grande baú que tinhas lá, e estava lá aquele carrossel. Quando peguei nele, ele ganhou cor, avô! Lembro-me que, olha, tinha uns cavalos como os do tio, verdinhos sobre um chão amarelo, tinha uma pequena capota como a do carrossel da cidade, aos triângulos, ora tinha um vermelho, outro amarelo, outro verde e tinha outro a que eu chamei azul, porque tinha a cor dos olhos da avó, depois de adormecer com eles abertos. Era grande, sabes? Parecia infinito, como a avó chama ao mar. Eu voltei a guardar o carrossel, porque o pai me chamou… Mas posso ir buscá-lo?
-Vai… Vai lá buscar… O carrossel… - disse o avô, a custo…
Quando voltei e dei à corda “o carrossel”, os olhos do meu avô tomaram cor, depois os meus, e as cores começaram a espalhar-se por todo o lado. Tudo começou a ficar colorido. Eu descobri as cores quando era pequeno, eu sou magia, e sou cor…